Este documento é um ensaio produzido para disciplina Teoria do Texto e do Discurso, ministrado pela Drª. Rita de Cássia Paiva, para o Curso de Letras Espanhol, entre outros da Faculdade de Línguas Modernas da UFPA.
Ailton Krenak, na presente o X Fórum Social Pan-Amazônico - FOSPA, realizado em Belém, nos dias 28 a 31 de julho de 2022.
Tema da mesa: Multilateralismo, democracia não antropocêntrica e Assembleia da Terra.
Foto de José Pessoa.
As fotos e/ou imagens adicionadas a está postagens não compunham o trabalho original. Todas foram extraídas do google.com.
RESUMO
A partir de uma perspectiva Pecheuxtiana da Análise do
Discurso – AD, o presente ensaio pretende encontrar na teia enunciativa de
Diálogos Selvagens entre Ailton Krenak e Anna Dantes, formas contra hegemônicas
de enfrentar a correnteza conservadora-fascistizante recrudescente em nossa
sociedade. Adotando como pano de fundo epistemológico alguns dos conceitos
centrais para a Teoria da AD, e, para a compreensão do Fascismo enquanto fenômeno
Histórico em curso desde 1920.
Ao apresentar elementos conceituais do nazifascismo, postos
em diversas perspectivas político-ideológicas, podemos encontrar similaridades
como a proposta discursiva e estética, emanada desde os aparelhos ideológicos
do Estado e as classes dominantes que dão sustentação ao atual governo,
promovendo uma disputa pela hegemonia em nossa contemporaneidade, em face das
quais nos contrapomos ao optar por epistemes Outras, que carregam consigo
signos, significados e modos que produzem conteúdos subjacentes e buscam liames
interconectados entre ancestralidades e às possibilidades futuras de superação
deste mundo pandêmico em que vivemos.
Palavras-chave:
Análise do
Discurso, Fascismo, ancestralidade indígena, contra hegemonia.
RESUMEM
A partir de una perspectiva
Pecheuxtiana del Análisis del Discurso - AD, el presente ensayo pretende
encontrar en la web enunciativa de Diálogos Salvajes entre Ailton Krenak y Anna
Dantes, formas contra hegemónicas de enfrentar la corriente
conservadora-fascistizante recrudescente en nuestra sociedad. Adoptando como
telón de fondo epistemológico algunos de los conceptos centrales para la Teoría
de la AD, y para la comprensión del Fascismo como fenómeno Histórico en curso
desde 1920.
Al presentar elementos conceptuales
del nazifascismo, puestos en diversas perspectivas político-ideológicas,
podemos encontrar similitudes como la propuesta discursiva y estética, emanada
desde los aparatos ideológicos del Estado y las clases dominantes que dan
soporte al actual gobierno, promoviendo una disputa por la hegemonía en nuestra
contemporaneidad frente a las cuales nos contraponemos al optar por epistemes
Otras, que llevan consigo signos, significados y modos que producen contenidos
subyacentes y buscan lazos interconectados entre ancestralidades y las
posibilidades futuras de superación de este mundo pandémico en que vivimos.
.
Palabras clave: Análisis del Discurso, Fascismo,
ancestralidad indígena, contra hegemonía.
JUSTIFICATIVA
O corte temporal que faremos está
compreendido entre os processos políticos ocorridos no meio do segundo mandato
de Dilma Rousseff e o dia 14 de junho de 2022, data na qual a Polícia Civil de
Foz do Iguaçu concluiu o Inquérito Policial sobre o assassinato de Marcelo
Aloízio de Arruda.
A delimitação temporal revelou-se
particularmente problemática, não quanto ao seu marco inicial, mas sobre o
final, posto que pretendi capturar um evento sociopolítico de grande impacto e
que sintetizasse o Zeitgeist, o
espírito do tempo em que vivemos, porém, a cada dia um evento de maior
complexidade e gravidade vinha à tona, e, neste sentido, elegi o desfecho
trágico deste assassinato e seu tratamento pelo Estado como testemunho
indelével do que doravante será argumentado.
Constatamos que a compartimentação
de nossa sociedade foi exacerbada desde às chamadas “Jornadas de Junho”, também
nomeadas de “Levantes Populares” ou “Insurreição” de junho de 2013, mais ainda
e sobretudo, depois do Golpe civil-militar/político-jurídico de 2016, que impeachtimou a ex-presidente Dilma
Rousseff.
Desde então, diversas intelectuais do
campo crítico como Maria Rita Kehl, Ricardo Antunes, Sabrina Fernandes, Michael
Löwy, Sônia Guajajara, Alysson Mascaro, Rita Von Hunty, entre tantas outras
mentes atentas e indignadas passaram a dar mais atenção em suas pesquisas,
produções acadêmicas e manifestações públicas, ao conjunto discursivo de
inclinações fascistizantes que passou a tomar conta dos mais diversos cenários
institucionais e não-governamentais brasileiro, produzindo narrativas que
coadunam com as piores práticas desenvolvidas pelo Estado e pela sociedade,
legal ou/e oficiosamente, dentro e fora deste, desde o período colonial e que
refletem, em última análise, o quadro de barbárie em que vivemos.
Michael Lowy
Guilherme Terreri - Rita Von Hunty
Sabrina Fernandes
Sônia Guajajara
Ao encerramos o espaço territorial no
Brasil, para observarmos o locus onde
se desenvolvem a reprodução social
dos fenômenos em tela, não pretendemos de modo algum desconectá-los de fontes
ou influências estrangerias, por isso mesmo senti a necessidade de trazer a
conceituação do fascismo desde pensadores europeus, dadas às suas conexões histórica,
social e geográfica com o aparecimento mais nefasto desta doutrina hedionda que,
infelizmente, tem reverberado a cada dia mais.
Por evidência empírica é fácil
constatar diariamente que os noticiários de norte a sul do país nos “informam”
de acontecimentos cada vez mais mórbidos e/ou de algum pronunciamento golpista
ditatorial; de agressões a jornalistas e tentativas ou atos de censura; de
algum discurso a conduta explicitamente racista, machista e/ou “glbtqia+fóbica”,
conformando um amalgama enunciativo que disputa valores e auto proclama-se como
representação de “Deus, da pátria e da família”, discurso e prática xifópaga às
experienciadas totalitárias da Itália dos anos 1920.
Atos e enunciados por Órgãos
oficiais ou seus representantes no Executivo ou Legislativo e no Judiciário.
Atitudes e discursos que nos tem reforçado a realidade dos encarceramentos em
massa, ou ainda pior, dos estupros diuturnos; feminicídios; das crianças indígenas sendo trituradas por dragas
em garimpos ilegais em rios amazônicos; das lideranças ambientalistas
assassinadas; de chacinas policiais e até do uso de câmara de gás improvisadas por agentes federais de segurança pública. Tudo ao “sol
do meio dia”, sem que haja duradoura comoção, sem protestos em massa, sem
rebeliões, sem impeachment, “sem
choro e nem vela”, apenas, se muito, como mais um post no telejornal ou nota de repúdio digital, demonstrando de
forma inconteste quem tem mais hegemonia neste cabo de guerra ideológico.
Neste sentido, somando-me aos
esforços para compreender e para combater tais discursos, narrativas e suas
consequências mediatas e imediatas, mesmo que de maneira incipiente, porém comprometida
e indignada, inconformada e não passiva, produz-se o presente argumento, que se
propõe a confrontar à barbárie instalada com “Outros Discursos Selvagens”, que
vislumbram apresentar elementos para a superação da tragédia, do fosso
civilizatórios no qual nos encontramos.
INTRODUÇÃO
Neste breve ensaio será analisado, de
modo não exaustivo, diálogos realizados entre pessoas que se apresentam diante
da vida em sociedade, desde seus autoreferenciados “lugares de fala”
pertencentes a mundos diametralmente opostos aos ambientes de onde partem os
discursos ora hegemônicos, os quais abordaremos tendo por base alguns conceitos
da Teoria do Discurso e do Texto da escola de pensamento inaugurada pelo Filósofo,
pensador e linguista francês Michel Pêcheux e das conceituações do Fascismos propostas
por autores europeus que conviveram com o surgimento e o auge do regime
organizado inicialmente por Benito Mussolini.
Os diálogos em questão são parte de
um esforço mais geral do Coletivo de pesquisadoras e pensadoras destes amissas mundos que, no início da pandemia de covid-19, buscaram-se para refletir
sobre os “modelos civilizatórios” hegemônicos que nos trouxeram até o caos de
um capitalismo permanentemente em crise, ora pandêmico, visando apontar algumas
perspectivas para mudanças paradigmáticas alternativas ao stabelichment, compondo o que denominaram “Diálogos Selvagens”, em
especial no vento transmitido ao vivo em 14 de maio de 2021, exibido no YouTube e assim descrito pelos mesmo:
“Como uma oferenda selvagem para a lua nova, a primeira Flecha foi lançada no
horizonte, desenhou um arco-íris que nasceu no Acre e riscou o ceu de Pindorama
até a Serra do Mar, nos avisando que chegou a hora”.
Porquanto, buscaremos contrapor a
ideia geral de que a configuração da sociedade brasileira seja e/ou permaneça
aquilo que outrora fora, isto é, proclamada desde há muito pela academia e em
verso e prosa como “caldeirão cultural” fruto de uma maravilhosa e harmônica mistura,
não apenas por seus povos gentis nativos dispostos aos milhões
por todo o território hoje chamado Brasil, e, pelos africanos e africanas para
cá trazidos aos também aos milhões,
mas também, por uma miscelânea de povos europeus conclamados a ocupar nossas
terras, inclusive por políticas governamentais de incentivo, que remontam à
primeira República,
e que promover-nos-ia a esperada “Redenção de Cam”, que por fim, teriam culminado em nossa igualmente
festejada “democracia racial”,
sendo está marcada, justamente pelo oposto destas ideias e discursos, conclusão
compartilhada com Florestan Fernandes e Kabengele Munaga, (1960), qual seja, de que a contemporaneidade brasileira
está amalgamada pelo fosso civilizacional que contém miríades de
características colonialistas, escravocratas e protofascistas e que, ao nosso
ver, se não forem estudadas, compreendidas e combatidas, poderão nos impor
sofrimentos pessoais e coletivos com a destruições de instituições e biomas, com
perdas que podem nunca mais serem revertidas, como não será a morte de quase
1.000.000 (um milhão) de brasileiros pela covid-19; como não serão revertidas as queimadas na Amazônia e
a extinção de espécimes, entre outros.
Kabengele Munaga
Florestan Fernandes
Para tanto, partiremos da
caracterização superficial de alguns conceitos mais proeminentes da AD de viés Materialista,
trazidos à baila a partir dos estudos do catedrático José Luiz Fiorin e do
texto “Delimitações, Inversões e Deslocamentos” do próprio Pêcheux bem como do
que fora apreendido pelo autor deste ensaio nas aulas da disciplina Teoria do
Texto e do Discurso, ministrada pela Dra. Rita de Cassia Paiva, no semestre 2022.2 do Curso de Lestras Espanhol da
UFPA, e, a posteriori, traremos conceituações acerca do fascismo propostas por Benedeto
Croce; António Gramsci; Palmiro Togliatti; Otto Bauer Daniel Guérin; Wilhen Reich; Angelo
Tasca e pela IIIª Interncional dos
Trabalhadores, analisadas pela Profa. Phd Drª. Heloísa Paulo (Universidade de
Coimbra) para somente então apresentarmos as transcrições dos
diálogos supracitados às suas respectivas contrapartes.
COMPOSIÇÃO DE ALGUNS CONCEITOS PÊCHEUXTIANOS QUE
ALICERÇAM A PRESENTE ANÁLISE
A compreensão que parte de Michel
Pêcheux parte de uma Análise Materialista do Discurso, discurso que pode ser
definido como conjunto de efeitos de sentido entre interlocutores
sócio-historicamente determinados, sendo socialmente administrados ao ocorrerem
no processo de comunicação entre o enunciador e o ouvinte. Nesta concepção,
compreende-se que os sentidos do discurso não estão no texto, mas nas leituras
dos sujeitos, nas suas interpretações quando buscam a intentio operis, intensão da obra por sua vez permite muitas
análises, mas não quer análise.
Os sentidos não estariam
amalgamados puramente no texto, mas podemos encontrar indícios de seus nexos a serem
extraídos de cada sintagma, posto que são permanentemente transpassados por relações
em fluxo, gerando interdiscursos.
Portanto, só podemos falar de desses
efeitos de sentidos quando essa chama tênue está acesa, essa conexão entre o
texto, seus interlocutores e os outros textos que estes geram ao construir
sentidos, dentro de um interstício de não-lugares que não é a soma de palavras
e seus sucessivos sentidos (in)visíveis no texto, e nem o arbítrio estritamente
cognoscentes de quem as decodifica, mas sim, enquanto um processo entre pontos
de partidas (da enunciação) e de chegadas (entre os múltiplos interlocutores) que
estão inelutavelmente enlaçados em um texto, verbal ou não verbal dentro da
História.
Estes não-lugares estão em toda
parte gerando efeitos impalpáveis, por vezes intangíveis, gerando desejos,
desejos de compreender e de dizer, de ter e de ser, daí que Lacan mobiliza a
ideia de um objeto “a”, do algo desejante e propõe equacionar na forma
inusitada “1+1 = 3” (mas como? porquê?!), gerando um resultado impensado, para
ele, fruto de um resto indizível, posto que omitido, recalcado, gerando efeitos
simbolizados por coisas que não preenchem por completo, deixando-nos inquietações
que (ZIZEK, 2011, p. 382) diria estar melhor equacionadas por “1+1+a” tendo
como resultado, qualquer que seja, algo que também gera angustia, pela
existência/inexistência deste objeto desejante.
Slavoj Žižek
Já o Sujeito, este não se pode encerrar em papéis dicotômicos, posto que é
sócio-histórico, ocupando simultaneamente posição de enunciador e enunciatário,
permanecendo atravessados por inconscientes, pelo seu inconsciente e por inconscientes
coletivos, portanto está destinado a permanecer cingido, fragmentado, dividido,
também porque se sobrepõe a si forças pretéritas que lhe cercam, notadamente a Ideologia,
que nos transpassa diuturnamente, desde de as construções semânticas e
semióticas dadas desde a língua e na linguagem, incluindo suas estruturas
morfossintáticas, que irão dar nome e significados ao mundo e a nós mesmos,
como também se subjetivam e nos informam desde os fenômenos do inconsciente.
Por tanto, o Sujeito do Discurso é
o Sujeito do Inconsciente, é o Sujeito
da Ideologia, que para a AD pode encontrar conceituação mais ou menos acabada a
depender do desenvolvimento do constructo teórico de Pêcheux, que inicia
próximo a Althusser para diferenciar ideologia do tipo A (técnico-empirista) e
de tipo B (Político-especulativo), para apresentar ao final da década de 1967
conceitos mais próximo do marxismo de Lênin, Luckács e Gramsci, argumentando
ser teoricamente possível conceituar ideologia como consciência de grupo, dialogando com a ideia de que cada
classe constitui um conjunto de valores difusos ou não que compõe uma representação
de mundo válidos para dada sociedade ou uma classe em dado momento histórico, (Les Cahiers pour L’Analyse, nº 2,
1966, p. 82).
Desta forma os primeiros sentidos
encontrados no discurso podem aparentar naturalidade, parecendo serem frutos de
processos óbvios, lógicos, irrenunciáveis, parecerem ser transparentes, claros,
entretanto não são, e não poderiam jamais sê-los porque os sentidos são
constituídos a partir de palavras que são elementos permanentemente em
trânsito, como “gaiolas engravidadas de redes”, nos rios discursivos nas quais
cada rede traz consigo um sentido próprio que depende da posição (sócio-historicamente,
portanto, ideologicamente) que o enunciador está.
Desta forma, este Sujeito da
Ideologia no discurso esta sujeitado justamente por crer que os sentidos são
unívocos quando em realidade são polissêmicos.
Assim sendo e, para além disto, ou ainda,
por corolário destes primeiros conceitos pode-se afirmar que o Sujeito do
Inconsciente não é “dono e senhor dos sentidos que produz” e que os muitos
sentidos que transmite podem ser observados não só a partir de seus discursos
em si, mas através de outros elementos que estão no subtexto, que subjazem-se
nas linguagens gestuais, nas opções estéticas de uso e até nas omissões e “atos
falhos” que cometemos, gerando até a possibilidade de contradizer-nos enquanto
enunciamos.
Um dos elementos que compõe este
cenário onde os enunciados tornam-se discursos é da formação discursiva, no
qual o sujeito entrará em choque com possibilidades de enunciação determinadas
por circunstancias alheias às suas intenções, circunstancias exigidas para cada
contexto social e destinatários, fazendo com que a inobservância de
determinadas “regras, protocolos e linguagens” caracterizem o enunciado de modo
negativo, inadequado, incoerente ou inconsequente, a depender de cada caso. E,
por assim dizer, cada caso é dado pelas condições de produção, que podem ser
pensadas em sentido amplo como os contextos sociais, histórico, social,
ideológico, estético, de gênero, as condições de geração que nos diferenciam e
são constitutivas dos nossos enunciados, assim como as condições de produção em
sentido estrito também nos atravessam e influenciam, como condições
psicológicas e ambientais.
No mesmo sentido, também se pode
concluir que o constructo do discurso é uma produção que tem ponto de partida
na enunciação, portanto no tempo, e que é também uma prática que transpassa
aquele que enuncia, seja pelas ocorrências do inconsciente coletivo seja pelas formações
ideológicas englobadas em diferentes formações discursivas que se remetem a uma
ou mais formações ideológicas, perfazendo uma grande teia dialética de
interconexões dialógicas que se intercalam e/ou sobrepõem, de modo que o
discurso não deverá ser compreendido como uma produção individual e, por meio
destas múltiplas conexões tampouco poderá ser compreendido adequadamente se for
pensado de modo estático, atemporal.
Em trabalhos posteriores, nos idos
de 1975, Pêcheux e Fuchs (1990), agregam ao sistema epistemológico da AD
domínios de distintos saberes, mais detalhadamente, no campo do: materialismo
histórico; da linguística e da teoria do discurso, reconhecendo adequado o
tratamento das ideologias com base nas ligações com os modos de produção que
dominam uma dada formação social, gerando um superestrutura ideológica que se engendram para gerar
assujeitamentos que ocorrem de modo distinto a depender das condições de
produção e ainda dos lugares sociais de sujeito.
DA TRAGÉDIA À FARSA, ATOS DE UM ÚNICO ESPETÁCULO
Neste tópico faço uma enumeração um
pouco extensa de conceituações do Fascismo em sua contemporaneidade, isto é, a
partir de sua origem até aos dias atuais partindo dos estudos, como dito antes,
da síntese das conclusões da Drª. Heloisa Paulo, como pesquisadora do Centro de
Estudos Interdisciplinares do Século XX/Ceis20, da Universidade de
Coimbra/Portugal, tendo ainda como premissa de que os leitores interessados
neste debate estão a par dos trágicos acontecimentos sócio-políticos em marcha nesta
última década no Brasil.
A fim de buscar encurtar este
tópico, traremos apenas os elementos de distinção em cada autor:
Benedetto Croce (1866 – 1953), pensador Liberal de formação, defendia que o
Fascismo representava uma saída possível dentro do liberalismo econômico, mas
com o diferencial de apresentar um Estado forte capaz de organizar uma
sociedade desestruturada e empobrecida, tolerando o uso da violência
hierarquizada com vistas a um futuro ordeiro e democrático. Este Estado e está
sociabilidade deveriam se alicerçar em uma ampla base popular e dar conta de
combater o Comunismo;
António Gramsci (1891 – 1937), filósofo Comunista Revolucionário reconhecia no
Fascismo um movimento de ascensão da pequena burguesia, cujo líder
caracterizava-se por um viés bonapartista cultuado e mitificado, que propunha o
regresso a um passado glorioso. Para ele a dominação das massas partia da
tentativa de construção de um consenso emanado da unidade de ação e da
construção discurso gerador de mentalidades
que união valores laborativos, militaristas e a religiosidade cristã. O
uso de uma narrativa do medo, do ideário de uma Nação unida e o combate ao
Comunismo com defesa da família fora uma constante em sua análise;
Palmiro Togliatti (1893 – 1964), o dirigente e pensador Comunista trava-o como um
“regime reacionário de massas”, que organizava amplos setores da sociedade para
um movimento de manada, um estado permanente de passividade ativa que gerava
aceitação da realidade, seja qual fosse, contanto que fosse referendada pelo
discurso oficial do Dulce;
Otto Bauer (1881 – 1938), o Social Democrata austríaco, lembrado por iniciar um
movimento de “terceira via socialista”, analisou o caso da Alemanha, sua
decadência socioeconômica, moral e civilizatória após a derrota na 1ª guerra
mundial como a falência do Estado Liberal Capitalista, tornando-se um elemento
gerador de ressentimentos, pela pobreza e imposições do armistício forçado,
que, para ele, “impulsionaram as massas a se levantar cheias de ódio contra a
democracia”. No caso alemão, Bauer verificou que Hitler se aproveitara do
nacionalismo e antissemitismo já existente naquela sociedade a um desejo coletivo
de um Estado forte reorganizador desses anseios, que também era interesse do Grande
Capital, que pretendia restituir o Poder sobre a sociedade e de antemão
rechaçar os intentos dos oprimidos, influenciados por matizes Comunistas,
Anarquistas e Socialistas.
Daniel Guérin (1904 – 1988); o escritor e teórico Anarcocomunista francês
concordava com Bauer, tendo vivenciado na pele o período anterior e posterior a
ascensão Nazista, onde constatou que o regime hitlerista “resgatou da miséria”
quase a totalidade dos alemães, muitos na mendicância para lhes outorgarem
espaços de prestígio econômico e social nas fileiras do partido nazista. Para
este pensador o Grande Capital era o maior articulador e orientador de fundo,
rearticulando as forças produtivas ao gerar uma indústria pesada
bélico-automotiva massiva que ato continuo trilhou uma segunda acumulação
primitiva, com políticas expansionistas neocolonialistas;
IIIª Interncional dos Trabalhadores (1929), fracassou ao analisar que o Fascismo seria uma
fenômeno restrito à Itália e Alemanha, de curta duração histórica. Entretanto o
“modelo” fora exportado mundo afora, tendo sido organizado em Montreux, no
Canadá, em 1933, o primeiro “Comitati d´Acione
per l’Universalità de Roma” (CAUR,
ou Comissões de Ação para a Universalidade de Roma) congresso da Comissão de Ação da
Universalização da solução fascista, evento que congregara Liberais
latino-americanos, além de europeus que em sua maioria já exibiam partidos
Nazistas é legalizados . Em 1934, a IIIª Internacional reconhece que o Fascismo
é uma ameaça a todos os povos e trabalhadores do mundo, como expressão máxima
da crise do Capital, apontando como tarefa prioritária de todo campo de esquerda
enfrentá-lo;
Angelo Tasca (1892 – 1960), Socialista Italiano, argumentou que: “Definir o
fascismo, é antes de tudo, escrever só a história [...] Uma teoria do fascismo
só poderá ser construída a partir de todas as formas de fascismo, latentes,
assumidas, reprimidas ou triunfantes. Pois existe inúmeras formas de fascismo,
cada uma esconde tendências múltiplas, por vezes contraditórias, e que podem
evoluir até a mudança de alguns dos seus aspectos mais essências. Definir o
fascismo significa descobrir esta evolução, e deter, em cada caso estudado, suas
diferenças específicas [...].
Nicos Poulantzas (1936 – 1979), Filósofo e
Sociólogo grego, retomando Gramsci, desenvolve o entendimento de que as crises
de hegemonia no seio do Capitalismo conduzem o Capital às saídas fascistas,
onde buscam assumir o Poder a partir de um bloco hegemônico capitalista
reconfigurado de modo a se perpetuar, valendo-se do aparelho ideológico de
Estado para sua reprodução social;
Ernst Nolte (1923 – 2016), Filósofo alemão referenciado em Kalr Marx, Max Weber e
Nietzsche, argumenta que o Fascismo é um “fenômeno metapolítico que atige todas
as sociedades, como um “antimovimento” contra o Liberalismo, o Socialismo e a
modernidade;
Enzo Colloti (1929 – 2021), filósofo italiano, defendia a universalidade do
Fascismo, entendo que este se apresenta em formas distintas que variam de
acordo com cada realidade sociopolítica e histórica, mas que acompanham sempre
as crises mais agudas do Capitalismo, conclusão semelhante a encontrada por Nadia Saito em sua pesquisa de mestrado sobre o pensamento
autoritário na Ásia.
DIÁLOGOS SELVAGENS COM AILTON KRENAK E ANNA DANTES
Os diálogos doravante transcritos
estão no contexto do projeto “Diálogos Selvagens”, realizados durante a
pandemia, antes mesmo que chegássemos ao mais obscuro dos cenários da mesma,
bem como, antes que os piores acontecimentos da pérfida gestão Bolsonaro-Mourão
ocorressem. Extrairei algumas perguntas e suas respectivas respostas, em
sequência, partindo apenas do prólogo que o próprio vídeo-documento apresenta.
SOBRE A FLECHA 1 – A
SERPENTE E A CANOA: Viajamos por teorias científicas contemporâneas e memórias
das culturas ancestrais. O fio condutor deste episódio costura duas narrativas:
a da canoa cobra, memória originária de povos rio negrinhos, e a serpente
cósmica, presente em mitos de origem de diferentes culturas, vista como a dupla
hélice do DNA, código de memória presente em tudo que é vivo. A viagem percorre
uma sequência que entrelaça saberes indígenas e hipóteses científicas sobre o
surgimento da Vida.
O diálogo
inicia com algumas colocações de Anna Dantes e em seguida exibe a canção “Cambiar
el Mundo”, de Môncica Besser e logo em seguida Alinton é convidado a emitir seu
primeiro enunciado, que assim ocorre:
Momento 1)
Ailton Krenak – “Sobre
perguntas, essa pergunta que a primeira flecha deixou no ar, que alguém me fez,
dizendo ‘nossa, a gente sempre se pergunta quem somos’ e agora vocês
inauguraram uma nova pergunta: O que somos? (...) A identidade, a questão
identitária que tá muito em voga,
onde todo mundo faz essa perguntam quem é?, ‘quem’ num (sic) sentido
identitário, convoca uma outra pergunta profunda: O que somos? Esse homo Sapiens, essa gente, essa
humanidade. (...) ela é a semente daquela pergunta que eu fiz sobre se nós
somos mesmo uma humanidade, num sentido uniforme. Quer dizer: Se um
extraterreno descesse em algum ponto equidistante e perguntasse pra (sic) gente: -
O que são vocês? Será que íamos responder pra (sic) ele: - Somos a humanidade!
Anna Dantes – Somos uma
galáxia ambulante de sistemas celulares.
Ailton Krenak – Somos
uma galáxia ambulante de sistemas celulares! Então estamos mergulhando em nós
mesmos e esse mergulho em nós pode fazer aquele movimento que a canção que a Mônica
convida, que é ‘cambiar el mundo’ e é lindo porque a canção diz que se a gente
não fizer nada, a gente pode simplesmente experimentar uma extinção, desse
imenso coletivo que imaginamos sermos nós, a humanidade. Mas se nós nos
fizermos a pergunta o que nós somos e uma eventual visita extrarrena nos
perguntar, talvez a gente consiga estabelecer um diálogo, uma conversa com a
vida, com a vida que está em todos os lugares. A Flecha lembrou a gente que a
vida está em tudo, eu acredito que traz um refresco para as pessoas que estão
nesse mundo turbulento, principalmente passando por muitas perdas afetivas, a
pessoa poder sentir que a vida está em tudo. (Trecho extraído dos 5 minutos e 35
segundos aos 9 minutos e 35 segundos).
Neste primeiro momento o líder
indígena Ailton Krenak, valendo-se de uma linguagem absolutamente límpida,
mansa, quase pueril, apresenta alguns conceitos chave que se contrapõem ao
pilar central do pensamento ocidental desde VII a.C aos dias atuais, isto é, o
antropocentrismo e seus desdobramentos filosóficos e pragmáticos que informam
toda ciência terrestre e de modo particular, a ciência ocidental que vem
promovendo desde a primeira revolução industrial, uma verdadeira caçada ao
resto da vida e da existência em geral.
Ao se conceber como uma complexa e
inextricável colônia, ou “galáxia ambulante de sistemas celulares” que permite
a existência dos humanos neste planeta, em trocas mutualísticas que ocorrem em
nossos intestinos, com bilhões de bactérias e outros organismos sem os quais
não sobreviveríamos, ou, com o mutualismo que praticamos com as espécies
vegetais que fazem fotossíntese e que respiram o monoxó de carbono que
expelimos, enquanto respiramos o oxigênio que elas espiram, Krenak repudia a
máxima iluminista de que o “homem é a medida de todas as coisas” e propõe, no
subtexto, encerramos o modelo de “humanidade” que nos conduziu, neste último
século do Antropoceno, às maiores e mais frequentes e intensas catástrofes
climáticas e biológicas como nunca vistas.
Outro ponto interessante
apresenta-se ao fazer um exercício hipotético de uma visita extraterrena,
imaginada não como “Guerra dos mundos”, mas como experimento de reflexão e
oportunidade de unificação de toda a humanidade, que ao passar a se perceber em
sua natureza comum, como parte de um todo planetário interdependente, poderia
enfim cessar com as guerras bélico-mercantis. Esse exercício mental, em
conclusão parecida, fora feito por Ronald Reagan, na 47ª Assembleia Geral da
ONU, 1987, convocando também a hipótese alienígena como único elemento capaz de
unir a humanidade. Porém, ficamos com Krenak, qual humanidade? Afirmar a
urgência de mudanças comportamentais, desde os hábitos alimentares individuais
às políticas de geração de energia e os modelos dos parques industriais
privados ou o eminente risco de extinção
Momento 2)
Ailton Krenak – Mais
uma observação que eu tinha feito pra
(sic) que todo mundo pudesse assistir essas
imagens que mostram como a vida chega ao nosso planeta, esse
nosso mundo, trazendo uma outra possibilidade das crianças imaginar (sic) mundos que não seja só aquela narrativa
que já é muito consolidada, que é colonial, e que é uma ideia eurocêntrica,
aquela criação de mundo que a Europa entendia que era a maneira da Europa
contar sobre esse mundo e que acabou sendo a única, porque é ela que está nos
livros didáticos, é ela que está nos matérias escolares e em toda a informação
que chega pras (sic) crianças. Eu achei
muito bacana poder oferecer mais uma narrativa sobre o mundo, ela não precisa e
nem deve ser a única, porque como a Ximamanda disse: - ‘Um mundo com uma única
história, é mito pobre’. Então é importante um mundo com muitas narrativas
porque eles podem também ser plurais, muitos mundos, pluriverso. (Trecho extraído do momento 19 minutos e 23
segundos aos 20 minutos e 48 segundos).
Neste enunciado, em menos de dois
minutos, Krenak combate uma das mais hediondas mazelas dessa humanidade branca-europeia-judaico-cristã,
que foi e continua sendo a fonte da maioria das guerras, chacinas e genocídios
mundiais e que, em escalas mínimas, continua causando sofrimento psíquico,
rancor e ódios que também mutilam, quando não matam. Qual seja, a imposição de
uma única verdade que ao afirmar-se sagrada, impõe aos Outros a condição de
inimigo a ser vencido.
A imposição de uma única verdade,
uma única fé, uma única linguagem, um único discurso de verdade foi e ainda é a
arma preferida, a justificativa mor para todos os colonizadores de ontem e de
hoje, afinal de contas os espanhóis eram os civilizadores, os bons cristãos e,
os Outros, nossos irmãos não, eles eram só outros, aborígenes abomináveis, subtipos
quase humanos, os sem almas.
Neste ponto, aos nos depararmos com
os genocídios e epistemicídios das “Grandes Navegações” que ao encontrarem em
nosso continente impérios nativos muito mais desenvolvidos em diversos ramos do
saber que os europeus, além de milhares de povos e nações ancestrais que por
milênios coabitaram os territórios do Polo Norte à Terra do Fogo, na Patagônia,
mesmo com distinções de tecnológicas e modos de viver, simplesmente decidiram
impor suas armas, línguas, culturas, escrita, fé, doenças e diásporas, em suma,
os europeus impuseram a ferro e fogo seus discursos e mundos, fomentando a
barbárie que busca se reinventar até hoje (com novos e antigos senhores, com
novas, além das mesmas práticas de outrora), de forma que, com este jugo, possa
impedir-nos de viver outras possibilidades, de contar novas/outras histórias,
seja de cosmogonias misteriosas, encantadas ou de nós mesmos.
Krenak ao reconhecer os limites encontrados
nos diálogos com adultos, com pessoas demasiadamente alienadas de suas
ancestralidades e das possibilidades de compreender que todo discurso é só uma
dentre infindas possiblidades narrativas, propõe levar às crianças esse
diálogo, de modo que permitam a elas, antes que se lhes imponham os mesmos
arreios e antolhos, reconstruir o mundo de modo que o plural seja o natural e
não o diferente, o estranho, o Outro.
Momento 3)
Anna Dantes lê a
pergunta de Luiz Rufino: - Qual a política de vida possível para um Brasil que
mantém por mais de cinco séculos uma agenda de morte e desencanto?
Ailton Krenak responde:
- É o encantamento mesmo! É o encantamento Rufino, assim como a luz invade os
ambientes em que tá (sic) tudo invisível e torna visível aquilo que estava
oculto, não é?! Tem uma frase do querido Nelson Mandela, que diz que ‘nós os humanos,
na verdade mão tememos a escuridão, nós temos a luz’. (...) e pensando na nossa
história colonial que também compartilhada com os povos do continente africano,
essa espécie de desencanto da vida, nós enfrentamos esse desencanto com luz,
com a luz que reflete nos cantos, na voz, ouvindo nosso (...) Carlos Papá, que
é um Guarany, ele diz essa maravilha que ‘a voz emite uma luz que atravessa um
fio invisível e que é conduzido pela brisa da mata atlântica’, que é o
ecossistema que eles vivem, e que vai longe, que vai comunicar com gente que
está em outro lugar distante, em outra aldeia muito longe. Então são essas
tecnologias sensíveis que nos possibilita seguir, atravessando quatro séculos
de violência, negação e, insistindo em cantar, dançar, insistindo em iluminar
esses ambientes, mesmo praqueles (sic) que dizem ter medo do escuro, dizem, mas
que na verdade eles têm medo é da luz. E essa narrativa de um mundo em que tudo
é vida e o contrário de vida não é morte, é desencantamento, ela é uma
narrativa muito poderosa para desbaratinar essa conversa sobre a lógica de que
os humanos preferem se esconder do que se expor à luz. (Trecho extraído do
momento 22 minutos e 50 segundos aos 26 minutos e 51 segundos).
No trecho acima o argumento de
contraponto à lógica de morte perpassa por enfatizar os usos não mercantis das
coisas e comunicar que a existência da Vida em tudo, a persistência da
florestas e das interconexões com os seres que nela vivem, que dela vivem e que
só têm Vida quando está é compartilhada em natureza, é uma “tecnologia
sensível”, uma lingual singular muito apurada, fruto de milênios de sabedorias
ancestrais que foi e é capaz de convier sem destruir e que não baliza as coisas
por suas utilidades, mas por si mesmas em suas pluridiversidades.
Momento 4)
Anna Dantes lê a
pergunta de Bruno Léverson: Será que nossa cultura branca ocidental está
preparada para entender que o futuro é ancestral?
Ailton Krenak – Toda
cultura é produção, toda! A cultura ocidental, ela foi produzida também, ela
foi construída ao longo de muito, muito tempo. Talvez o que a gente devesse
observar é que ela evitou outras narrativas, e por evitar outras narrativas ela
quase que se constituiu como uma monocultura, mono cultura e monocultura sempre
resiste a possibilidade de atravessar-se de ser atravessada por outras
experiências. Inclusive, quando a gente pensa no organismo biológico mesmo, uma
vegetação, quando aparece uma plantinha diferente lá, os botânicos chamam
aquela plantinha de pioneira ou invasora, aquela plantinha que vai tentar se
estabelecer naquele lugar onde tem uma outras vegetação formada ali, a gente
chama isso de cultura também, e, a cultura do ocidente resiste a entrada de
outras narrativas também, mas eu acho que se a gente ofertar essas narrativas
com generosidade e se ela alcançar pincipalmente as crianças, porque eu acho
que tem muito sentido essa conversa com as crianças, porque uma criança nunca
via dizer pra você “ah, eu tô (sic) dentro da cultura do ocidente, a criança tá
(sic) aberta, então assim, quem sabe num (sic) mundo adulto vai ser difícil abrir essa porta,
mas pras (sic) crianças... com cinco anos, quatro anos, com três anos, praquilo
que na antroposofia chamam de primeiro septênio, se nesse primeiro septênio sê pode compartilhar essas visões
plurais de mundo, ela não cria uma monocultura. A questão da visão ocidental é
que ela foi excludente mesmo. Como o Rufino lembrou, ela ficou quinhentos anos
colonizando outros continentes sem ouvir o que aquela gente tinha pra (sic) dizer.
Imagina que nós temos histórias aqui no continente americano, como as dos
nossos parentes Maias, os Maias têm uma literatura maravilhosa, eles têm uma
obra que reúne as narrativas que se chama Chilam Balam, e esse maravilhoso
livro de diversas histórias se quer são conhecidas, mas ele foi traduzido no
século XVII até pro (sic) alemão. Porque que ninguém lembra dessas narrativas?
Antes o mundo não existia? Ou, antes do mundo existir as narrativas do povo
Teçana, Tukano, que estão na primeira flecha, elas sempre estiveram aqui,
porque que nos séculos XVIII, XIX, os Jesuítas, todos aqueles outros ilustrados
que passaram por aqui não tomaram conhecimento disso? O ocidente não quis ouvir
essas outras narrativas. (Trecho extraído do momento 29 minutos e 57 segundos
aos 33 minutos e 35 segundos).
A afirmação posta no argumento de
Krenak, sem subterfúgios, de que a “cultura ocidental” é tão somente uma
cultura como outras tantas, que parte de determinações sócio-históricas, que
possui, portanto, um conjunto discursivo construído paulatinamente ao logo de
gerações, pode ser compreendido como correlato ao amago da concepção
Pecheuxtiana, já que este Sujeitos Ideológicos que enunciam a partir de
narrativas que emprestas de tantas outras formações discursivas, não podem
deixar de reafirmar, em certa medidas um conjunto de valores embutidos ao nível
do subconsciente, daí porque a insistência a direcionar estas narrativas
plurais, ancestrais, multimilenares, às crianças, Sujeitos Inconscientes que
possuem, até então, menos amarras, barreiras e preconceitos, a ponto de
receberem como “novas”, essas paisagens mentais, para que venham a reproduzir
outras formas de existência.
Momento 5)
Anna Dantes lê a
pergunta de Laís Campos: - Pergunta 1) Dentro da cosmovisão indígena como é
tratada a inclusão para necessidades especiais? Pergunta 2) como criar
políticas públicas que sejam dialogadas dentro de grandes empresas públicas,
mas principalmente privadas, que tenham na linda de frente Recursos Humanos e
que olhe para esse todo antropológico? Acredito que esta seja uma boa
ferramenta para potencializar as estruturas da sociedade na base “falar e
fazer” o que precisa ser feito pelo planeta agora. Gratidão.
Ailton Krenak: - Laís,
legal, olha, quando a gente fala nas culturas, dentro da cosmovisão indígena, a
gente se remete a uma diversidade grande de Povos, desde os Yanomamys, os
Guaranys, os Krenaks aqui, nossos parentes que estão lá no Tocantins, os
Kraaraô, os Suruís, então hoje são algumas centenas de povos que têm sua experiência
histórica de contato com essa cultura do Brasil, essa cultura urbana,
industrial, do mundo do trabalho que é a que você se refere, onde as pessoas
são percebidas como recursos humanos, inclusive é uma ciência não é? Você pode
ir pra (sic) universidade, fazer uma especialização, ou uma graduação em
Recursos Humanos. Depois, você vai ser admitido em uma empresa, uma estrutura
onde o mundo do trabalho se administra, e onde essa ciência dos recursos
humanos vai orientar uma relação com gente que está trabalhando alí, “esses
tais de recursos humanos”. Que é na
verdade, pessoas com diferentes habilidades, que vão ser contratadas para
executar serviços, que se prevê que vão ser remuneradas, que vão ser pagos por
isso. Então é bom observar isso, isso tem pouco a ver com inclusão no sentido
social. Isso tem a ver como seleção do mundo do trabalho, de pessoas que são
consideradas habilitadas, têm cabeça, tronco e membros, que enxerga, que ouve,
que fala a língua daquela empresa, ele vira um recurso humano. Nas culturas
indígenas da América do Sul, principalmente, essa relação com o mundo do
trabalho nunca existiu. As pessoas desses povos, o ambiente interno dessas
comunidades, ninguém é percebido como recurso humano, são percebidos como seres
humanos, são pessoas. E estão alí no contexto das suas culturas, das suas
comunidades e não são apreciados como habilidades, digamos assim. Eu acho
interessante pensar esse todo antropológico, ele já é uma observação
especializada, assim como Recursos Humanos. Uma observação antropológica se põe
a olhar de fora desse ambiente próprio de cada cultura, de cada povo. Aqui
mesmo, no meio da minha aldeia não tem nenhuma observação antropológica sobre
nós, estamos aqui, uns conhecendo os outros com suas limitações ou com seus
privilégios de mais intimidade com a cultura, pra(sic) saber como nós operamos aqui, como é que a
gente lida uns com os outros. A gente sabe das habilidades que cada um de nós tem e... em outra aldeia, outra
comunidade, que nunca vai ser nada além de mil, duas mil pessoas, é muito raro
encontrar um povo com trinta mil pessoas, que já é uma situação excelente, mas,
mesmo alí não vai haver uma observação antropológica interna, uma auto..., uma “contraantropologia”
interna. Eu entendo o que você está me perguntando é como nossa relação interna
pode ajudar a melhorar a relação de uma empresa com as pessoas que têm
necessidades especais, e isso tem sido cada vez uma exigência maior, apesar de
nosso país ser indiferente a essas necessidades, as empresas hoje estão se
obrigando a incluir nos seus quadros internos pessoas..., por exemplo uma
pessoa que não ouve, que não tem audição, então ele é contratado pra(sic) um serviço numa (sic) empresa, levando em conta que ele não tem essa habilidade, mas
ele tem as outras habilidades todas, ou alguém que sofreu um acidente e perdeu
um braço, você pode encontrar num (sic)
banco essa pessoa que tem essa dificuldade, com essa necessidade, digamos,
especial, exercendo uma função dentro da empresa, isso é uma necessidade e já é
uma exigência social, que essas empresas incluam pessoas com essas necessidades
especiais,, mas elas vão continuar sendo observadas dentro da empresa como
recursos humanos. Sendo que a empresa vai considerar que tem recursos humanos
mais adaptáveis, que podem assumir várias funções, multifunções, e vai ter
alguns de nós que vai ter (sic) funções limitadas. No meio da cultura indígena,
dessa cosmovisão indígena, eu não vejo de onde contribuir para esse
aperfeiçoamento do mundo do trabalho, inclusive porque são culturas que
repudiam esse mundo do trabalho na sua configuração moderna, esse mundo do
trabalho onde definitivamente o corpo é observado como recurso humano. A maior
parte das cosmovisões indígenas, elas repudiam essa ideia do trabalho como uma
coisa que é o destino de cada um de nós. Talvez nós devemos pensar em mudar
isso em relação a própria ideia desse mundo de trabalho e o lugar desses
corpos, dessas pessoas, seria uma contribuição onde o trabalho não é o destino de
alguém. Você não nasce, cresce, é preparado, é treinado para trabalhar, você
vive a experiência do trabalho em colaboração com outras pessoas e você não é
avaliado como recurso humano. Era isso que eu podia te devolver com essa
pergunta muito especializada. (Trecho
extraído do momento 47 minutos e 11 segundos aos 55 minutos e 23 segundos).
A negação do paradigma ocidental,
exclamada na fala tranquila, lúcida, porém constante e firme de Ailton Krenak,
não em nome de todos os indígenas, mas a partir de uma vida inteira erigida
este locus de convivências
compartilhadas, compreendendo perfeitamente que o modelo societário ocidental é
justamente o modelo bélico-industrial capitalista, decide não compactuar com um
recorte de emendas, com um programa de ajustes, como uma média reformista.
Não, sua postura depõe contra os baluartes
mais preciosos do Capital e seu modo excludente, preconceituoso e degenerante
de vida, de sua necropolítica e suas estruturas simbólicas que são escanteadas
não como o ápice do saber humano, mas como um modelo pouco civilizado de lidar
com as conexões planetárias e em especial com a vida humana.
A negação da lógica formal dos
recursos humanos, dos tratamentos “humanizados” das dinâmicas de ajuste
laborais, seus planos cartesianos e métodos de especialização dos saberes, a
negação, pela afirmação de outra visão alternativa, de um modus operandis que não subtrai e nem divide, mas que soma e compartilha,
coisas, experiências e relações sociais e psicológicas, de forma autêntica,
verdadeiramente significativa e que possibilitem aos Sujeitos construírem suas
próprias histórias a partir de papeis não dados, de nichos flexíveis.
A afirmação do não querer ser
“recurso humano” e tampouco aceitar a alcunha de “preguiçoso”, impõe uma
memória ancestral que reconhece a si mesmo como dotado de valores que
independem das “capacitações ou títulos acadêmicos” onde cada pessoa pode fazer
sua descoberta ou construir suas sociabilidades podem ser experienciadas
livremente, isto é, a negação do mundo do trabalho, seus horários e
disciplinas, sua mecânica funcional que desorganiza e adoece a Vida, promovendo
uma decomposição antinatural da natureza, de modo a enquadrá-la em seus
esquemas.
A QUISA DE CONCLUSÃO
Compreender que os indivíduos que
enunciam não são portadores e controladores de cada um dos aspectos discursivos
que carregam consigo ou que seus textos podem conduzir/reproduzir, não abstrai
de cada um de nós a necessidade de reconhecer quais elementos históricos,
sociais, filosóficos, quais interesses difusos, de classes, a quem se destina e
para quais finalidades cada texto é produzido.
Mesmo que estejamos inseridos em
narrativas generalizantes, que se pautam por uma lógica que deforma as relações
de convívio entre as espécies, que desarmonizam as interconexões de todas as
formas de vida, com todos os elementos naturais inanimados que também compõe
trocas conosco e que, sem os quais, seria absolutamente impossível viver neste
planeta e que também, entre nós humanos, vem prevalecendo como
formas-metabólicas de viver que causam sofrimento e morte, se propagando e se
promovendo, buscando se perpetuar indefinidamente como a única forma possível
de viver, isto é, dentro de um eterno Capitalismo que opera triturando gente e
exterminando culturas e povos a aproximadamente seiscentos anos, é urgente
dizer que não!
Essa é só mais uma narrativa, um
complexo e intrincado conjunto discursivo construído histórica e culturalmente
desde o centro da Europa para todo a Terra. Ao apontar as similitudes centras
em diferentes formar conceituar e compreender o movimento fascista, desde de
sua origem, conclui-se que este não é um fenômeno fechado com características
estanques, muito ao contrário, é parte do mecanismo ideológico capitalista e
como este, é engenhoso e sagaz ao se reinventar para manter e aumentar sua área
de impacto.
Nestes meandros conceituais
encontramos elementos narrativos semelhantes aos que hoje se propaga
diariamente, sejam nos discursos oficiais do presidente Jair Bolsonaro e seus
ascetas, ou nas filas dos mercadinhos, nas paradas de ônibus, nos bares e
aniversários, demonstrando, uma vez mais, que o fascismo enquanto ideologia que
atravessa historicamente a sociedade infiltra-se na psique coletiva e ganha o
senso comum a partir de discursos, construindo-o de “cima para baixo ou de
baixo para cima” como bem constatou João Bernardo Maia Veiga Soares (Porto,
1946), mas sempre sem cessar de disputar seus valores (i)morais e sua
racionalidade anticientífica.
Nossas melhores e mais
bem-sucedidas formas de resistência a esse modelo de viver foram expressas nas
falas de Ailton Krenak e são, em última instância, a demonstração viva de
tradições ancestrais de milhares de anos que não sucumbiram e nem se curvaram
ao Capitalismo e suas formas odientas de destroçar sonhos. Ao reafirmar esta
orientação fazemos o contraponto aos discursos fascistizantes sem dizê-los,
regando reproduzir sua enxurrada sangrenta, sem ignorar o necessário e urgente
enfrentamento, que fazemos também nos discursos enquanto objeto integralmente
linguístico e histórico, que nos permite dizer, sem dizer, em seu dialogismo
constitutivo,
E, para além dos discursos
revolucionários e tradições anarco-comunistas, estes indígenas vêm nos ensinar
que a Vida está em tudo e que é preciso sim, dizer não à barbárie e suas
receitas, reconhecendo-nos desde outro patamar, este sim, plural,
civilizacional, harmônico e integrado com tecnologias sensíveis à perpetuação
das vidas nesse corpo cósmico, nossa única canoa-serpente a navegar pela Via
Láctea.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Assassinato
de Marcelo Arruda. Disponível em:
<https://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2022/07/10/camera-registra-momento-em-que-atirador-invade-festa-e-mata-guarda-municipal-que-era-tesoureiro-do-pt-em-foz-do-iguacu.ghtml>.
Acesso em 25 de Jun. 2022.
“Delimitações,
Inversões e Deslocamentos” Pêcheux, traduzido por José Horta Nunes. Cad. Est.
Ling., Campinas, (19): 7-24, jul./dez. 1990.
Conversa
Selvagem – Primeira Flecha: A SERPENTE E A CANOA, Alinton Krenak e Anna Dantes
<https://www.youtube.com/watch?v=AMmrj8e9OUo>. A Narrativa dessa Flecha é
baseada nos livros: A Serpente Cósmica, o DNA e a Origem do Saber, Jeremy
Narby; Antes o Mundo Não Existia, DESANA e O Mundo Tukano antes dos brancos, de
Alvaro TukanoCrescimento do neonazismo no Brasil, dados da Antropóloga Dr.
Adriana de Abreu Magalhães Dias, ID
Lattes: 3395794062617639,
disponível em: <https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/01/16/grupos-neonazistas-crescem-270percent-no-brasil-em-3-anos-estudiosos-temem-que-presenca-online-transborde-para-ataques-violentos.ghtml>.
Crianças
Yanomami mortas por dragas em garimpo ilegal, disponível em:
<https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2021/10/criancas-yanomami-mortas-draga-garimpo-roraima/>.
FERNANDES, F. A integração do negro
na sociedade de classes. São Paulo: Nacional, 1965, p. 24.
HERBERT, Thomas. Reflexions
sur la situation thorique des sciences sociales et, specialement, de la
psychologie sociale. Les
Cahiers pour L’Analyse, 2, 1966, p. 139-167.
Les Cahiers pour L’Analyse, nº 2, 1966, p. 82.
O
pensamento autoritário na Ásia foi tema de sua comunicação no Curso de Extensão
“Fascismo 100 anos, da ascensão de Mussolini à Contemporaneidade”, promovido
pela UEMG-Passos, transmitido online no dia 23 de Jul. 2022, disponível em:
< https://www.youtube.com/watch?v=7WS69IzTeD8>.
PÊCHEUX, Michel e FUCHS, Catherine. A propósito da análise
automática do discurso: atualização e perspectivas (1975). In: GADET, F. e HAK,
T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
Pêcheux. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1990.
ZIZEK, 2011, p. 382.
Ailton Krenak se refere ao videoclipe fruto da compostagem de imagens, canções,
trilhas sonoras e narrativas cosmogônicas que formam a “FLECHA 1- A SERPENTE E
A CANOA”, disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Cfroy5JTcy4>.